O TUDO EM TCHELLO D’BARROS
by Fernando Aguiar
Sempre admirei os “Ideogramas Ocidentais”, poemas que se podem enquadrar na linha (vertical, no caso) de um neo-concretismo, pela competência de síntese, (embora sem a, por vezes, aridez da poesia concreta mais precursora), revelando apenas a medula do poema, sem artifícios (diria verbalismos) desnecessários. Pérolas como “TEM/DIA/QUE/TEM/SOL/TEM/DIA/QUE/TEM/LUA/TEM/DIA/QUE/ELA/DIZ /NÃO/TEM/DIA/QUE/VEM/NUA”
ou
“MAIS/LUZ/DO/QUE/O/SOL/DO/MEU/CÉU/SÓ/O/SOM/DO/SEU/SIM”,
não são apenas para serem lidas, mas também para serem “contempladas” porque, apresentadas em grandes dimensões, resultam igualmente em obras visuais. Ou, no caso do último exemplo, para serem sussurradas ao ouvido de quem se ama.
Reportando-me aos poemas onde a componente visual é mais evidente, impressiona o modo como são imbuídos de um rigor estético, de uma qualidade na realização e na finalização de cada trabalho, com uma concomitante preocupação em realizar o poema observando os normativos do design, ao explorar graficamente a dimensão visual da palavra, preocupações incomuns na visualidade literária brasileira. São, sobretudo, de uma inteligência que fazem da sua poética verdadeiras obras de arte, tal como o poema deve ser, para o ser efetivamente.
Os que saem da lavra do autor são pensados, refletidos e trabalhados, sintetizando a sua expressividade a um impacto visual que privilegia o aspecto comunicativo onde, muitas vezes, é utilizada a linguagem formal da publicidade, o que é legítimo, se considerarmos que os publicitários continuam a veicular muitas das suas mensagens consumistas apropriando-se dos processos e das soluções da experimentalidade poética e da arte contemporânea, nomeadamente da conceitualista.
Mas não se julgue que a poética do autor vive essencialmente da forma e de uma visualidade de apelo mais imediato. Os seus poemas possuem, do mesmo modo, um forte conteúdo, e a mensagem que procuram transmitir não fica relegada para uma situação acessória. Basta observar obras criticamente mordazes como “Jackpot” ou “Relações”, de denúncia social como “Haicai aos sem terra”, “Preconceito” ou “Causa e Consequência”; com um cariz fortemente interventivo como “Democracia”, “Subversão”, “Veto-Voto”, “Totalitário-Democrático”,“Reforma Política”; ou de uma ironia devastadora como “Consumo-me”.
Curiosamente, e apesar de uma expressividade que alia o design à produção/execução digital, o autor não deixa de reclamar as estruturas tradicionais de veiculação do poema, utilizando com alguma frequência o soneto, reinventando-o e conferindo-lhe uma linguagem atual.
A poética de Tchello d’Barros não se resume, igualmente, à bidimensionalidade da página. Enlaça de uma maneira que consideraria, ostensiva, a instalação, invadindo sem preconceitos o campo das artes plásticas, apropriando-se das representações da contemporaneidade, para criar uma linguagem poética que lhe é muito própria, intrínseca da sua expressividade de criador, de reformulador da palavra e das letras, como deve ser um poeta atuante e consciente dos meios que as circunstâncias lhe proporcionam. Outro aspecto que reforça esta constatação, é o arrojo de se dizer em grandes formatos, ocupando os espaços circundantes, como que a impregnar quem o lê com a visualidade impositiva com que reforça as palavras e a mensagem que lhes são inerentes.
Explora a forma dos signos como um pintor desenvolve o espectro cromático das cores, com as suas nuances e densidades. Consegue, a partir dos contornos da letra, chegar ao seu âmago, descobrindo-lhe linhas, pontos e texturas (e, porque não, veias, o sangue, a medula), que são esteticamente exploradas para delas sobressair a ideia ou o propósito que lhes quer subtrair. Raramente recorre uma escrita assêmica nas suas obras e, mesmo quando o faz, o título revela, normalmente, o aparente enigma.
Tchello é um observador mordaz e implacável da realidade que o rodeia, e devolve a essa realidade as idiossincrasias próprias da mesma, filtradas pela capacidade de interpretar poeticamente o referido contexto. Essa aptidão está patente também nos registos fotográficos onde retrata o quotidiano envolvente, revelando pormenores que não se apreendem no movimento do dia-a-dia, acentuados pela crueza das imagens a preto e branco.
Nesta exposição, que reúne duas décadas de produção poética, estarão, decerto, alguns dos mais significativos poemas da recente visualidade poética brasileira, dentro da qual Tchello d’Barros se tem vindo, progressivamente, a destacar, e a imprimir o seu cunho pessoal a esta forma de expressão literária.
Não apenas pelas indiscutíveis qualidades já referidas, mas também pela assertividade das inúmeras exposições realizadas nos últimos anos, e pela sua inestimável ação como organizador, divulgando por todo o Brasil a obra de autores nacionais e estrangeiros.
Diria que o que mais impressiona na poética de Tchello d’Barros é: (o) tudo.
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